Notação musical: um diálogo entre linhas e pontos

Os sistemas de notação musical padronizados na música ocidental, conheceram algumas transformações até se estabelecerem com as formas actuais. A notação mais antiga data por volta do 3º milénio a.C. sendo expressa através de símbolos e letras. Os símbolos cuneiformes da antiga mesopotâmia, evoluíram para neumas na Idade Média, escritos segundo o sentido de uma linha horizontal. Seguiu-se a representação de notas com distâncias variáveis segundo uma única linha horizontal que permitiram representar as alturas.
É com o impulso do monge beneditino Guido d’Arezzo (995 – 1050) que se estabelecem quatro linhas com notas fixadas através da notação quadrada ou romana e na notação coral alemã.
No séc. XVIII generaliza-se a pauta de 5 linhas – pentagrama - adoptando-se as notas circulares que constituem o padrão da notação ocidental.



Exemplos de notação quadrada

A evolução da grafia musical encontra actualmente a sua expressão máxima nas tecnologias digitais, através das quais as representações ganham um novo referencial espacial.
Dimitri Tymoczko cientista da Unviersidade de Princeton, EUA cria uma forma de visualização, um mapa, que representa o espaço das possibilidades musicais. Desenvolve um modelo geométrico geral, no qual qualquer acorde concebível seja representado por um ponto no espaço, ligado a outros através de linhas.
Compara a interacção de um piano com a interacção de um espaço não-euclidiano, fundamentado na ideia de que existem maneiras diferentes de tocar uma nota.



Notação musical em Wassily Kandinsky

Kandinsky funda um profundo desejo espiritual na sua arte. Fascinado pelo simbolismo e psicologia da cor, relaciona o acto de pintar com a música, escrevendo
“As cores são a chave, os olhos e o machado; a alma é o piano com as cordas”
A partir de formas circulares, quadrangulares, triangulares, ou através da linha, pinta cores elementares: vermelho, amarelo, azul e representa a influencia que a música exerce na arte abstracta. A música, abstracta por natureza, evoca não um mundo exterior, mas os sentimentos interiores da alma humana.


Wassily Kandinsky

Composição VII, 1913

O Stradivarius

A relação entre o Stradivarius e a geometria também tem sido objecto de estudo. A sua construção obedece a regras geométricas muito precisas.
É construído segundo proporções áureas que inscrevem o seu comprimento e largura num rectângulo de ouro; a forma da voluta obedece à espiral áurea.


O som e a forma

Todos os objectos têm uma frequência ou conjunto de frequências que ressoam quando são tocadas e cada frequência associada a um objecto provoca um padrão vibratório específico.
A questão formulada por pelo matemático Marc Kac “Será possível ouvir a forma de um tambor” é materializada numa experiência da dupla de caos quântico – Alfredo Miguel de Almeida e Raul Óscar Vallejos – da Universidade do Rio de Janeiro.


A figura representa o relevo da membrana de um tambor fotografado num dado instante, resultando um padrão completamente regular.

Foram também realizadas pelos alunos de Buckminster Fuller experiências com ondas vibratórias cujo resultado se assemelha a sólidos platónicos.

Uma experiência feita com cristais numa superfície que emite vibrações sonoras

Algumas peças musicais

Jorgen Hovelskov
"Harp", 1968
Uma cadeira que lembra a proa de um barco viking, associa o elemento linha às cordas musicais.
William Furlong
“Walls of Sounds”

William Furlong constrói dois paralelepípedos de 12m em aço criando uma instalação visual e sensorial. Os amplificadores criam uma passagem por um corredor sonoro onde é possível ouvir os sons gravados nos locais anteriores onde a peça esteve instalada.



Kurt Schmidt
“Ballet Mecânico”, 1923

O estudio de Kurt estava repleto de construções em cartão, arames, telas e madeira da altura de um homem, todos em forma geométrica elementar: círculos, triângulos, quadrados, rectângulos, trapézios e naturalmente, todos nas cores primárias amarelo, vermelho e azul.
Kurt pendurou-se num quadro vermelho e daí nasceu uma dança com os seus colaboradores encarnando outras figuras.
“Havia um piano velho encostado à parede que se recusava a estar afinado e tinha um som horrível. Improvisei um par de acordes e ritmos agudos e as figuras em cartão começaram imediatamente a reagir. Uma dança de quadrados, círculos e triângulos surgiu de improviso (…) uma música de acompanhamento que correspondia vagamente às formas geométricas primárias…surgindo assim o ballet mecânico.

Mike Tonkin e Anna Liu
"Singing Ringing Tree"


Esta estrutura feita com cerca de 1000 tubos galvanizados é percorrida pelo vento actuando como um conjunto de flautas. Uma árvore metálica que produz notas e acordes que variam com a intensidade e direcção do vento, fazendo com que a música aleatória alcance quilómetros de paisagem.

A geometria na música

Variable Geometry Orchestra
A música produzida pela Variable Geometry Orchestra dirigida pelo violinista Ernesto Rodrigues, resulta de uma dicotomia entre o material acústico e electrónico em que cada músico participa de forma aleatória podendo responder a outro músico em tempo indeterminado. Alternam-se monólogos e diálogos numa composição que oscila entre o caos e o todo orquestral. Ouvem-se espectros soltos como fractais que fazem tremer a mais linear geometria euclidiana…
Sense Geometry de Vladimir Hirsch



Sense Geometry é um álbum de música electroacústica de Vladimir Hirsch que atribui cada música a uma figura geométrica:

TETRAGONS, Figure 1
CIRCLES, Figure 1
TRIANGLES (Figure 1) INSIDE CYLINDRIC CHANNELS
ABSCISSAS SYSTEM (Figure 1) IN PENTAGONAL COLUMN
ELLIPSIS SEGMENTS
CIRCLES (Figure 2) IN TETRAGONAL STRUCTURE
TRIANGLES, Figure 2
ABSCISSAS SYSTEM, Figure 2
TETRAGONS, Figure 2
CHAIN OF ELLIPSOID FIGURES

Bibliografia

Livros:

ANDRADE, Mário (1987). Pequena História da Música. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia Limitada.
CONSIGLIERI, Victor (1994). A Morfologia da Arquitectura 1920-1970 (Vol.1). Lisboa: Ed. Estampa, Lda.
DROSTE, Magdalena (1994). Bauhaus. Berlim: Bauhaus – Archiv Museum
HOLL, Steven (1996). Entrelazamientos. Barcelona: Ed. Gustavo Gili, S.A.
MORGAN, Robert P. (1991). Twentieth – Century Music: A Norton Introduction to Music History. N.Y: W.W. Norton & Company, Inc.
MUNARI, Bruno (1968). Design e Comunicação Visual. Lisboa: Edições 70.
WATKINS, Glenn (1988). Soundings: Music in the Twentieth Century. N.Y: Schimer Books

Revistas e Boletins:

Boletim da Aproged nº 26 – Associação de Professores de Geometria Descritiva

Geometria e Cinema de Animação

ONE D é um filme de animação de Mike Grimshaw que nos apresenta um estranho mundo unidimensional onde os dois protagonistas, Bob e Diane, são duas rectas e pontos que parodiam todos os géneros de cinema, desde a comédia romântica à ficção científica. Provavelmente não será o seu primeiro encontro, mas poderá ser o último...
clique na imagem para vêr o filme

sem legendas

Ficha técnica:

Categoria - curta-metragem, 2005, betacam sp pal, cor
Técnicas - computador 2d duração 4’38’’
Produção, argumento - Mike Grimshaw

Animação - Mike Grimshaw, Pushai Ling

Música - Mark Grimshaw
Som - Mike Grimshaw
Prémio para a melhor curta-metragem (ex-aequo)